terça-feira, 29 de junho de 2010

Perca pragmática

Em relação a qualquer coisa nunca digas: "Perdi-a"; diz, ao contrário: "Devolvi-a". Morreu-te o filho? Devolveste-o. Morreu-te a mulher? Devolveste-a. O teu campo foi roubado? Foi também devolvido. Mas quem o roubou é um miserável? Que te importa por quem o retirou aquele que t0 dera? Enquanto te deixam tais bens, toma conta deles como de um bem que pertence a outrém como fazem os viajantes numa hospedaria.

Epitecto, in "Manual"

Ana

Coragem aparente

Os soldado está convencido de que tem diante de si um espaço de tempo infinitamente adiável antes que o matem; o ladrão antes que o prendam; o homem, em geral, antes que o arrebate a morte. Esse é o amuleto que preserva os indivíduos-e às vezes os povos-não do perigo, mas do medo ao perigo; na verdade, da crença no perigo, motivo pelo qual o desafiam em certos casos, sem que sejam necessariamente bravos.

Marcel Proust, in "À Sombra das Raparigas em Flor".

Ana

terça-feira, 22 de junho de 2010

O desejo de discutir

Se as discussões políticas se tornam facilmente inúteis, é porque quando se fala de um país se pensa tanto no seu governo como na sua população, tanto no Estado como na noção de Estado enquanto tal. Pois o Estado como noção é uma coisa diferente da população que o compõe, igualmente diferente do governo que o dirige. É qualquer coisa a meio caminho entre o físico e o metafísico, entre a realidade e a ideia.
É a esse género de estirilidade que estão geralmente condenadas, tal como acontece com as discussões políticas, as que incidem sobre a religião, pois a religião pode ser sinónima de dogmas, ou de ritual, ou referir-se a posições pessoais do indivíduo sobre questões ditas eternas, o infinito e a eternidade, problemas do livre-arbítrio e da responsabilidade ou, como se diz também: Deus.

E o mesmo acontece com as discussões que têm a ver com a maior parte dos assuntos abstractos, sobretudo a ética e os temas filosóficos, mas também com campos de análise mais restritos, incidindo sobre os problemas mais imediatos, como por exemplo o socialismo, o capitalismo, a aristocracia, a democracia, etc..., em que as noções são tomadas tanto no sentido amplo como no restrito, umas vezes de modo concreto, outras de modo abstracto, umas vezes sob uma perspectiva física, outras sob perspectiva metafísica;-a maior parte das conversas sobre todos esses assuntos só parecem de resto possíveis porque nenhuma noção é apreendida com completa nitidez, e dificilmente pode sê-lo, ou se evita mesmo completamente traçar limites precisos, sendo essa a última coisa que se pensaria fazer.
Porque aquilo que prevalece neste género de discussão, mais frequentemente do que se pensa, não é a necessidade da verdade mas o desejo de discutir.

Arthur Schnitzler, in "Relações e Solidão"

Felicidade eterna

Antigamente, todos os contos para crianças terminavam com a mesma frase, e foram felizes para sempre, isto depois de o Príncipe casar com a Princesa e de terem muitos filhos. Na vida, é claro, nenhum enredo remata assim. As Princesas casam com os guardas-costas, casam com os trapezistas, a vida continua, e os dois são infelizes até que se separam. Anos mais tarde, como todos nós, morrem. Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre.

José Eduardo Agualusa, in o "Vendedor de Passados"

Gerir o êxito

Deixa triunfar à vontade aqueles que praticaram verdadeiras proezas e merecem uma glória autêntica, sem reivindicares uma parte dos louvores: essa glória resplandecerá tanto melhor sobre ti se a ela se juntar a de te teres mostrado acima da inveja.
Atribui a outrém os teus êxitos. Por exemplo, a uma pessoa experiente que te tenha ajudado com a sua previdência e as suas opiniões prudentes.
Disfarça o orgulho pelos teus êxitos, não modifiques a maneira como falas ou como te vestes, nem os teus hábitos à mesa. Ou pelo menos, se alguma coisa tiveres de modificar nestes domínios, que seja por uma boa razão que todos compreendam.
Se triunfares sobre um adversário, não cedas à tentação de o insultar excessivamente.
Não troces dos teus rivais, evita provocá-los e, sempre que saíres vencedor, contenta-te com o prazer da vítória sem te glorificares em palavras ou acções.


Jules Mazarin, in "Breviário dos Políticos"

domingo, 20 de junho de 2010

Adeus ao Nobel da Literatura


"Saramago levou a Língua Portuguesa demasiado longe."
"Já não há palavras. Saramago levou-as todas."


Sem dúvida uma grande perda literária e cultural...
Indira

sábado, 5 de junho de 2010

"Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei", de Paulo Coelho





"Conta a lenda que tudo o que cai nas águas deste rio... se transforma nas pedras do seu leito. Ah, quem me dera que eu pudesse arrancar o coração do meu peito e atirá-lo na correnteza, e então não haveria mais dor, nem saudade, nem lembranças.
Nas margens do Rio Piedra eu sentei e chorei. O frio do Inverno fez com que eu sentisse as lágrimas na face, e elas misturaram-se com as águas geladas que corriam diante de mim... todas estas águas se confundem com o mar.
Que as minhas lágrimas corram assim para bem longe..., e então eu esquecerei o Rio Piedra, o mosteiro... os caminhos que percorremos juntos.
Eu esquecerei as estradas, as montanhas e os campos dos meus sonhos - sonhos que eram meus, e que eu não conhecia.
Eu lembro-me do meu instante mágico, daquele momento em que um "sim" e um "não" podem mudar toda a nossa existência. Parece ter acontecido há tanto tempo e, no entanto, faz apenas uma semana que reencontrei o meu amado e o perdi.
Nas margens do Rio Piedra escrevi esta história. As mãos ficavam geladas, as pernas entorpecidas pela posição e eu precisava parar a todo o instante.
- Procure viver. Lembrar é para os mais velhos - dizia ele.
Talvez o amor nos faça envelhecer antes da hora e nos torne jovens quando a juventude já passou.
Mas como não recordar aqueles momentos? Por isso escrevia, para transformar a tristeza em saudade, a solidão em lembranças. Para que, quando acabasse de contar a mim mesma esta história, a pudesse lançar no Piedra - assim me tinha dito a mulher que me acolheu. Para que então - as águas pudessem apagar o que o fogo escreveu.
Todas as histórias de amor são iguais
."






>>> Sem dúvida, um dos melhores livros que já li...




Indira