terça-feira, 22 de junho de 2010

O desejo de discutir

Se as discussões políticas se tornam facilmente inúteis, é porque quando se fala de um país se pensa tanto no seu governo como na sua população, tanto no Estado como na noção de Estado enquanto tal. Pois o Estado como noção é uma coisa diferente da população que o compõe, igualmente diferente do governo que o dirige. É qualquer coisa a meio caminho entre o físico e o metafísico, entre a realidade e a ideia.
É a esse género de estirilidade que estão geralmente condenadas, tal como acontece com as discussões políticas, as que incidem sobre a religião, pois a religião pode ser sinónima de dogmas, ou de ritual, ou referir-se a posições pessoais do indivíduo sobre questões ditas eternas, o infinito e a eternidade, problemas do livre-arbítrio e da responsabilidade ou, como se diz também: Deus.

E o mesmo acontece com as discussões que têm a ver com a maior parte dos assuntos abstractos, sobretudo a ética e os temas filosóficos, mas também com campos de análise mais restritos, incidindo sobre os problemas mais imediatos, como por exemplo o socialismo, o capitalismo, a aristocracia, a democracia, etc..., em que as noções são tomadas tanto no sentido amplo como no restrito, umas vezes de modo concreto, outras de modo abstracto, umas vezes sob uma perspectiva física, outras sob perspectiva metafísica;-a maior parte das conversas sobre todos esses assuntos só parecem de resto possíveis porque nenhuma noção é apreendida com completa nitidez, e dificilmente pode sê-lo, ou se evita mesmo completamente traçar limites precisos, sendo essa a última coisa que se pensaria fazer.
Porque aquilo que prevalece neste género de discussão, mais frequentemente do que se pensa, não é a necessidade da verdade mas o desejo de discutir.

Arthur Schnitzler, in "Relações e Solidão"