segunda-feira, 20 de abril de 2009

carta

Passando suavemente a mão direita sobre o móvel que lhe acompanha a trajectória até ao destino pretendido, a sua mente parece estar num outro local que não aquele. Muita coisa mudou desde o dia em que o nome dele se tornou uma memória que, embora distante, sempre continuou presente. Os diminutivos carinhosos e os adjectivosapaixonados desapareceram, e neste momento a sua presença equivalia a um espaço vazio. Ao seu lado, não no seu coração.
Entra no quarto, liga o rádio. O destino é cruel, e fez com que pelos seus ouvidos entrasse a doce melodia da música a que sempre chamaram "nossa". Não, pensa, enquanto silencia o espaço. Mais uma vez recorreu à negação, a fim de se sentir melhor consigo mesma. Ingénua, não compreende que apenas dificulta as coisas.
Olha em volta. Toda a sua vida parece-lhe um altar ao passado, a ele, ao seu passado. Ela não o quer, mas não encontra dentro de si forças suficientes para o omitir. Quer queira, quer não, ele está sempre lá, a observá-la por todos os cantos, a lembrá-la que ela ainda o ama.
Caminha lentamente de um lado para o outro, encosta-se às quatro paredes, contempla as únicas coisas materiais que dele restam, os símbolos do que sempre os uniu, os símbolos saturados de histórias e sentimento. Atrás de si, encontram-se as fotografias. Não são apenas deles, nem ela teria coragem de ainda as ter expostas. As de grupo. Mas parece que, no meio de dezenas de pessoas, as suas faces, sempre unidas, são as que se destacam, como se de um filme em 3D se tratasse, as personagens dão um pulo para a realidade, e atacam cada ponto fraco da sua personalidade.
Cada singela figura neste mundo parece rir-se do vazio que a preenche. As vozes do pensamento invadem-lhe cada poro da sua pele, o toque dele alastra-se-lhe pelo corpo. Ela grita, não quer ouvir. Ela afasta, não quer sentir. Quer correr para longe dali, mas as memórias quebram-lhe as pernas, e ela acaba por cair aos pés da sua frustração. Chora, parece que não há mais nada que possa fazer. As lágrimas lavam tudo o que esteja à superfície, mas ela apenas precisa de esfregar bem o sentimento, precisa de o apagar definitivamente. Grita, novamente. Não há pior situação do que fingir ser o que se não é. Não há pior situação do que agir
como se não sentisse, como se toda a vida lhe corresse bem. Ela corre, vai correndo. Não fossem os balastros em que tropeça, uma vez por outra. E depois choras. Tentas achar um culpado, mas és tu. Ninguém te mandou saltar o precipício sem olhar para trás. Agora custa-te a subir. Tenho vertigens, murmuras. Talvez se não olhasses para baixo, as coisas se tornassem mais fáceis. O melhor seria não olhar para o que te assusta, não deixar entrar o predador. Aprende a pensar com a tua cabeça. Ninguém te obrigou a trocá-la pelo coração...

Assinado: o teu ego, que se preocupa mais contigo do que ele alguma vez se preocupará


ritzm